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ondovato9

Valerianos

Atualizado: 1 de jul. de 2020

Soneto do alento

É tanto, Amor, que aos olhos vivos não me atento

De ser um tonto, tinto, retinto em teu encanto

De mover-me alto pela vida com espanto

Sendo ele inda menor que meu contentamento

Pois esse Amor, que de pecados, é tão santo

Eu canto sobranceiro e tolo pelo vento

E grato à vida pelo mais fogoso alento

Vislumbro no teu corpo o mais formoso manto

E assim, quando mais tarde vir a aurora

Maliciosa, disfarçada, em meu poente

E dela vir brotar a velha chama

Serei tomado pelo fogo, esse que aflora

E leva o mal, o pranto, o todo ausente

Do infinito peito de quem ama


(Saborosa brincadeira sobre “Soneto da Fidelidade”, de Vinícius de Moraes.)






Soneto em sete faces

Daqui, de minha terra natimorta,

Eu vejo a porta que remonta ao novo mundo

Explode a aorta do poeta trapo vagabundo

Que, gauche, à vida rara se transporta

De onde será tanto desejo oriundo?

Um regozijo para alguém de sina torta?

Servir-te para o sempre é a meta que me importa

Ante a nefasta rima de Raimundo

Tantas pernas andando pelo bonde

Tantos nomes, meu amor, quantos bigodes

Uma vasta lua, uns conhaques e o diabo

Eu sou teu homem, ó Rainha, teu visconde

Eu me afeto, pois sei que só tu podes

Ser a mulher amada onde me acabo






Silhueta

Aprecio minha dona à contraluz

A manhã atravessando seu vestido

Feito de tempos e histórias, já puído

O contorno mal escrito me seduz

A beleza é clamor indefinido

Meu olhar é bala ardente de arcabuz

Que fenece e renasce igual Tamuz

Ao humor do sol veraz e embevecido

O homem entrava, surta, paralisa

Para ver-te, cativante silhueta

Adorar-te augusta Mona Lisa

O tempo congelado na ampulheta

O passo claudicante, já não pisa

No lastro chão corpóreo do planeta






Armadilhado

Estava o homem velho, em vida ilhado

Perdido, conformado em larga trilha

Pés fincados, sangrando na armadilha

Pelo Homem lá de cima observado

Tanta história, tanto conto lá na ilha

De onde não saía, sozinho e isolado

Via o horizonte, sofrido, acabrunhado

Submisso à quimera maltrapilha

Mas o Deus, que a tudo vela, tudo olha

Trasvestiu-se em cupido empertigado

Dedicou-lhe o amor sincero que abrolha

E o homem entregou-se bobo e abismado

Já no outono, onde a vida se desfolha

Dessa vez, para sempre armadilhado






Metade

Sofre minh’alma em franco desalinho

Habita a solidão do seu vazio

Não enfrenta com arrojo o mar bravio

Sente a falta do seu colo, alvo ninho

Aquela que foi feita ao teu feitio

Que recorrente esteve em teu caminho

Dona régia e inconteste do carinho

Que te faz à revelia entrar no cio

Tua ausência me arrancou vital pedaço

Justamente o melhor que mora em mim

O que me traz amor e liberdade

Suplico, minha Amada, o teu regaço

Eu quero minha casa carmesim

Pois não sei mais viver pela metade






Valeriano II

Cometi outro soneto, meu amor

Mais um torto, mais um ato

Mattoso chamou de desacato

Baudelaire virou a cara com horror

Gregório riu e foi correndo lá pro mato

Machado não quis ser fiador

Florbela reagiu com despudor

E Petrarca me acusou de estelionato

Se pudesse me aninhava no teu colo

Envergonhado pelos versos infantis

Assustado com a força desse sonho

De sentir-te nos pés como meu solo

De querer-te com teus modos tão gentis

E de fazer-te outro soneto, assim, bisonho






São Poeta

Caminha em passo torto o São Poeta

O mais santo habitante do planeta

Mesmo o diabo no girar da carrapeta

Não lhe concede o prazer da linha reta

Segue tonto, circulando em pirueta

Duvidando da grandeza do Esteta

Cuja clara brincadeira predileta

É fazer-Se de emissário, estafeta

Ao poeta e sua casca de erudita

Ao gauche, e seu roteiro de anedota

O grande prêmio por desvio de conduta

O raro, para a classe mais restrita

A chance, por direito, a mais remota

Da certeza, por dever, absoluta






Soneto do Ano Novo Valeriano

O tempo, artífice cotidiano,

Tece sua teia em tênues linhas

Retas, curvas, todas vizinhas

Não sabemos, mas há um plano

Nossas atitudes, das mais comezinhas

Às heroicas, no auferir de cada ano,

Sob ralo olhar cartesiano,

São a poeira levantada em nossas rinhas

Desce vagarosa a lâmina implacável

A visar a jugular do criador

A sorrir com o frescor da eternidade

O homem, de conduta admirável,

Já não sente do fio menor pavor

Pois baniu de seu peito a veleidade






Amálgama


Amalgama minha alma, amada E nas mansas manhãs de outono Consagra a cama com teu sono Depois do amor da madrugada Perdoa teu corpo do abandono Faz a tua casa em minha pele Que um mundo novo se revele A mim, servil escravo e colono Mansa manhã agora perdoada Pele atroz escravizada Servidão retida no carbono

Que o corpo venha como dono Trazendo à margem, consagrada Nossa alma, una, amalgamada






À Deriva


Quero ver-te, assim, dispersa

Perdida em seus longos olhares,

Singrando alheia nos esgares

Nau, flagrada em mar, perversa.

Ó flor fornida nos pomares,

Diz pra mim, nesta conversa,

És trama de tapete persa

Ou estrela esculpida nos quasares?

Guia de dementes navegantes,

Que vagam pelas vagas milenares,

Sem auxílio de asas ou talares,

Estúpidos tropeiros dos teus mares.

Sorris a todos sem pesares,

Pois és uma em muitas delirantes.






Meu corpo, minha Nau

De onde vem esse fervor, esse fascínio

Essa flama que difama a lucidez

E que me arranca e desanca o raciocínio

Um pobre homem e a gritante insensatez?

Sou teu cativo, teu marido, teu escrínio

E me entrego assedentado à cupidez

Sobre teu cetro tu exibes teu domínio

Ao que nunca outrora amara outra nudez

Aqui, sozinho, a distância é uma tormenta

A fustigar as águas verdes do oceano

A inundar meu coração sobressaltado

A saudade é minha guia, a dor é que orienta

A navegar arrojado o mar insano

E chegar vivo ao continente e ao teu lado






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