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Microcontos

ondovato9

Atualizado: 21 de jun. de 2020

O gênero “microconto” sequer existe. Aliás, só essa introdução já poderia se configurar em um. Talvez seja. De qualquer jeito, a ideia de contar uma história em poucas palavras vem de longe, no tempo e no espaço. De Tólstoi a Hemingway, de Dalton Trevisan a Lygia Fagundes Telles, escritores consagrados já se aventuraram pela concisão na organização das palavras.

Nada é muito definitivo, mas, para alguns autores, o microconto deve ter no máximo 150 letras. Com o advento do Twitter, ele perdeu mais 10 tecladas, já que o microblog em seus primórdios só comportava 140 caracteres.

Microconto, microblog. Parece que foram feitos um para o outro. Apesar do aplicativo ter dobrado sua capacidade, o microconto permaneceu inalterado, mantendo como propósito jamais fechar uma ideia em si mesma, ou enclausurá-la entre os limites do papel e da pontuação, mas delegar ao leitor a tarefa de completar as lacunas, alinhavar os vazios, estimulando a lógica e a criatividade.

Há dois microcontos famosíssimos. Se você é um leitor, já cruzou com eles, ou, pelo menos, já os ouviu. O primeiro é “O dinossauro”, de Augusto Monterroso, chamado de “o maestro da brevidade”, escritor hondurenho, naturalizado guatemalteco:

“Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.”

O segundo é de Ernest Hemingway:

“Vende-se: sapatinhos de bebê nunca usados”

É quase uma unanimidade: quanto menor, melhor. E, claro, eu não poderia deixar de me arriscar nessa estrada. E começo com uma brincadeira com os microcontos acima.

Quando acordou os sapatinhos de bebê ainda estavam lá.


Tirou o último pentelho com um fio dental.

O corpo estava nu, meticulosamente cercado pelos álbuns das últimas doze copas do mundo.



Quando a nuvem de carapanãs se dissipou só havia um amontoado de carne e ossos.

Nem vi a bala atrav


A mala passou por quatro estados antes de descansar em um apartamento com vista para o mar.


O barulho da algema se fechando ele jamais esqueceria.


Só então ele percebeu que aquele volume não era tesão.


Teve câncer assim que a polícia chegou.


Às quatro em ponto o padre pecava.



Foram seis tiros. Uma bala para cada centímetro.


Ela cortou o pulso esquerdo. Só não sabíamos onde estava o resto do corpo.


O olhar vívido, as mãos mortificadas.


Nunca havia pensado em fazer aquilo a três.


Ele descascou a laranja sem parar de chupar.


A vulva

Nunca gostei de boceta.

Buceta é muito melhor.


Calçava o tênis do filho para sentir o passado.


A doença do general

Quando despertou já eram mais de seiscentos comentários.


O sofá chorou todas as noites depois que eles foram embora.


Nem os fantasmas do Jaburu notavam sua presença



Ainda me provocas Poesia

 
 
 

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